Impermanência
- Paula Sousa
- 27 de fev. de 2016
- 4 min de leitura

Como disse o Buda, a impermanência é a natureza da condição humana. Esta é uma verdade que conhecemos em nossas mentes, mas tendemos a resistir em nossos corações. A mudança acontece ao nosso redor, o tempo todo, mas ainda temos” tempo” para o previsível, o consistente. Queremos a garantia de que conseguimos prever e controlar o presente e o futuro. E, no entanto, chocamo-nos quando as pessoas morrem, mesmo que a morte seja a parte mais previsível da vida.
Impermanência é algo que geralmente preferimos evitar enfrentar. Nós gostamos quando as coisas estão estabelecidas e confiáveis. Nós gostamos de saber que quando chegamos em casa ela está como a deixamos, que quando nos apaixonamos, isso será para sempre. Nós gostamos da segurança de saber quem somos e o que está próximo.
É claro que chega um momento em que se não superamos algo, esse algo nos supera, ou simplesmente as coisas mudam. Somos convidados a olhar para os nossos apegos e ilusões de forma completamente diferente. Patanjali lembra-nos nos Yoga Sutras (II.15) que as coisas mais agradáveis nas nossas vidas podem ser, na verdade, as mais dolorosas, porque, eventualmente, teremos que deixá-las ir.
Na Índia, a casa mãe de yoga, há um modelo social hindu tradicional, que ressalta a mudança que experimentamos continuamente. Chamado de Ashramas, ou fases da vida, ele define quatro períodos distintos na vida, durante o qual as pessoas podem e devem fazer certas coisas. O primeiro, brahmacharya (conduta Brahmic), é o estágio do aluno, durante o qual se aprende sobre si mesmo e sobre mundo; o segundo, grihastha (chefe de família), é a fase de família e obrigações sociais. As duas últimas etapas concentram-se em renúncia. Durante o terceiro, vanaprastha (morador da floresta), o homem está mais livre para começar uma vida contemplativa. E, durante o estágio quatro, samnyasa (renúncia), o mais profundo, entregando todas as coisas do mundo e viver como um mendigo simples.
A beleza deste modelo é o seu reconhecimento inerente à impermanência de cada fase da vida. Há sabedoria nesta consciência, não apenas porque nas nossas vidas acontecem obviamente mudanças inevitáveis, mas, mais importante, porque quando aceitamos esse fato como verdade, sofremos muito menos.
Podemos até mesmo olhar para o nosso tapete de yoga para assistir a este padrão. Nós encontramos-nos muitas vezes ligados a um processo interminável de "melhoria" dos nossas ásanas. Elas vão melhorando rapidamente no início (quando jovens), estamos numa “lua-de-mel” de descoberta. Depois de um par de décadas, no entanto, as nossas posturas vão melhorando muito menos. Como nossa prática amadurece, torna-se mais sobre a consistência, compreensão mais profunda, e avanços físicos menores. Isso não quer dizer que não vamos continuar a melhorar, mas a melhoria pode ser mais subtil. Muitas vezes, não podemos mais praticar certas posturas por causa da idade ou lesões, ainda assim, sentimo-nos agitados, porque assumimos que as posturas da nossa juventude devem ser as posturas da nossa velhice. Ficamos surpresos quando ásanas familiares se tornam difíceis e as anteriormente difíceis tornam-se impossíveis.
Qual é a lição aqui? Experimentando notável melhoria numa base contínua, ao que parece, é uma fase temporária. Percebendo isso nos coloca em contato com a verdade da impermanência; continuar ligado à prática do nosso passado cria sofrimento em nós.
Sem ter a consciência da impermanência, tipicamente conseguimos enquadrar-nos num dos dois padrões: negação ou depressão. E embora não possamos escapar da impermanência da vida e do fato de que vamos morrer, nós desesperadamente negamos estas verdades tendendo a apegar-nos à nossa juventude e/ou cercando-nos de confortos materiais. Se a negação não é um bom ajuste com a nossa personalidade, podemos inconscientemente afastar-se da verdade por nos sentirmos deprimidos ou retirados da vida.
A Filosofia do Yoga oferece uma alternativa para estas tendências. É a abraçar a verdade poderosa falada por todos os grandes mestres: o poder de viver no presente eterno e imutável. O primeiro versículo dos Yoga Sutras de Patanjali afirma: " atha yoga anushasanam”, que se traduz como: "Agora é a exposição do yoga." Patanjali não usa palavras desnecessárias. Essa primeira palavra é a chave. O verso tem a intenção de ressaltar a importância do estudo de yoga, agora. Ele encoraja-nos a concentrarmo-nos que está acontecendo com o corpo, mente, respiração e emoções neste momento, no presente.
“Agora” é uma palavra que é poderoso e suficiente por si só para ser usado como um estudo de vida, uma espécie de mantra. A capacidade de responder agora, a viver agora, desfrutar de cada momento precioso sem se apegar a ele ou empurrando-o para longe é a essência da prática espiritual.
A filosofia do Yoga como um todo, baseia-se na noção de que a identificação com a mudança de aspeto temporário da realidade leva ao sofrimento, enquanto o reconhecimento do eterno, imutável leva à paz. Na vida do dia-a-dia, esses conceitos parecem interessantes no melhor e no pior dos casos. Mas lembrando o eterno nas vivências diárias, tarefas e ações é realmente a chave para transformar nossas vidas. Geralmente nós somos arrebatados por minúcias com estar atrasado para um compromisso ou perder um brinco favorito. Mas é na capacidade de lamentar a perda do brinco totalmente e, simultaneamente, saber que não importa, em última instância, que reside a sabedoria. Em outras palavras, podemos viver ao máximo quando reconhecemos que o nosso sofrimento não se baseia no fato da impermanência, mas sim em nossa reação a essa impermanência.
Quando esquecemos a verdade da impermanência, esquecemos a verdade da vida. A prática espiritual é de lembrar que a verdade está neste movimento da vida e, em seguida, abraçá-la.
Por Paula Sousa
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